domingo, 15 de fevereiro de 2009



Minha alma é uma orquestra oculta; não sei que instrumentos tangem e
rangem, cordas e harpas, tímbales e tambores, dentro de mim. Só me conheço
como sinfonia.
Todo o esforço é um crime porque todo o gesto é um sonho morto.
As tuas mãos são rolas (1) presas. Os teus lábios são rolas mudas (que aos
meus olhos vêm arrulhar).
Todos os teus gestos são aves. És andorinha no abaixares-te, condor no
olhares-me, águia nos teus êxtases de orgulhosa indiferente. É toda ranger de asas,
como dos , a lagoa de eu te ver.
Tu és toda alada, toda
Chove, chove, chove...
Chove constantemente, gemedoramente
Meu corpo treme-me a alma de frio... Não um frio que há no espaço, mas um
frio que há em ver a chuva (2)...
Todo o prazer é um vício, porque buscar o prazer é o que todos fazem na vida,
e o único vício negro é fazer o que toda a gente faz.


Livro do Desassossego
Fernando Pessoa

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