sábado, 8 de setembro de 2012

Canção na plenitude


Não tenho mais os olhos de meninanem corpo adolescente, e a pele
translúcida há muito se manchou.
Há rugas onde havia sedas, sou uma estrutura
agrandada pelos anos e o peso dos fardos
bons ou ruins.
(Carreguei muitos com gosto e alguns com rebeldia.)

O que te posso dar é mais que tudo
o que perdi: dou-te os meus ganhos.
A maturidade que consegue rir
quando em outros tempos choraria,
busca te agradar
quando antigamente quereria
apenas ser amada.
Posso dar-te muito mais do que beleza
e juventude agora: esses dourados anos
me ensinaram a amar melhor, com mais paciência
e não menos ardor, a entender-te
se precisas, a aguardar-te quando vais,
a dar-te regaço de amante e colo de amiga,
 
  e sobretudo força — que vem do aprendizado.
Isso posso te dar: um mar antigo e confiável
cujas marés — mesmo se fogem — retornam,
cujas correntes ocultas não levam destroços
mas o sonho interminável das sereias.
 
Lya Luft

Do livro "Secreta Mirada", Editora Mandarim - São Paulo, 1997, pág. 151.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Contando Estrelas
Diogo Nogueira
 
Contando estrelas vejo a noite ir embora
E nem reparo na beleza do luar
O sol nascendo no horizonte faz aurora
E eu sofrendo nem consigo apreciar
O vento leva a terra clara do terreiro
E os passarinhos cantam pelo meu quintal
Meu coração aprisionado no celereiro
 
Se quer escuta a sinfonia matinal
A tarde cai e não apaga essa saudade
O céu azul sem testemunha perde a cor
O tempo corre, eu não percebo e assim
É minha vida com o fim do nosso amor

Devolve minha alegria
Volta correndo pro lar
A casa está tão vazia
Sem teu perfume no ar
A mesa da sala sem ninguém pra dar bom dia
Sem seu tempero pra agradar meu paladar
No porta retrato tudo que restou de nós
Sinto a falta do teu cheiro
Aqui no meu travesseiro, debaixo dos lençois

Volta que eu não quero mais
As lembranças dos meus ais
Traz o cheiro e o tempero
A beleza e a cor
Desse amor que é só da gente
Tô ficando amargurado
Com a cabeça no passado
Vem me dar esse presente



É Preciso Não Esquecer Nada

É preciso não esquecer nada:
nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
nem o sorriso para os infelizes
nem a oração de cada instante.

É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
nem o céu de sempre.

O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.

O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos,
a idéia de recompensa e de glória.

O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
vigiados pelos próprios olhos severos conosco,
pois o resto não nos pertence.
 Cecília Meireles