domingo, 23 de agosto de 2009

CATANDO OS CACOS DO CAOS


Catar os cacos do caos
como quem cata no deserto
o cacto
............ - como se fosse flor.

Catar os restos e ossos
da utopia
............ como de porta em porta
o lixeiro apanha
detritos da festa fria
e pobre no crepúsculo
se aquece na fogueira erguida
com os destroços do dia.

Catar a verdade contida
em cada concha de mão,
como o mendigo cata as pulgas
no pêlo
............ - do dia cão.

Recortar o sentido
como o alfaiate-artista,
costurá-lo pelo avesso
com a inconsútil emenda
à vista.

Como o arqueólogo
reunir os fragmentos,
como se ao vento
se pudessem pedir as flores
despetaladas no tempo.

Catar os cacos de Dionisio
e Baco, no mosaico antigo
e no copo seco erguido
beber o vinho
ou sangue vertido.

Catar os cacos de Orfeu partido
pela paixão das bacantes
e com Prometeu refazer
o fígado
............ - como era antes.

Catar palavras cortantes
no rio do escuro instante
e descobrir nessas pedras
o brilho do diamante.

É um quebra-cabeça? ............ Então
de cabeça quebrada vamos
sobre a parede do nada
deixar gravada a emoção

......Cacos de mim
......Cacos do não
......Cacos do sim
......Cacos do antes
......Cacos do fim

Não é dentro
............ nem fora
embora seja dentro e fora
..... no nunca e a toda hora
que violento
.....o sentido nos deflora.

Catar os cacos
do presente e outrora
e enfrentar a noite
com o vitral da aurora

Affonso Romano de Sant'Anna

Arthur Schopenhauer

A compaixão pelos animais está intimamente ligada a bondade de caráter, e pode ser seguramente afirmado que quem é cruel com os animais não pode ser um bom homem.

O gênio e o louco num ponto se assemelham: ambos vivem em um mundo diferente daquele em que vivem os outros mortais.

Não amar e não odiar é a metade da sabedoria. A outra metade é nada dizer e nada acreditar.

A ousadia é, depois da prudência, uma condição especial da nossa felicidade.

O maior erro que um homem pode cometer é sacrificar a sua saúde a qualquer outra vantagem.
"Rir é correr risco de parecer tolo.
Chorar é correr o risco de parecer sentimental.
Estender a mão é correr o risco de se envolver.
Expor seus sentimentos é correr o risco de mostrar seu verdadeiro eu.
Defender seus sonhos e ideias diante da multidão é correr o risco de perder as pessoas.
Amar é correr o risco de não ser correspondido.
Viver é correr o risco de morrer.
Confiar é correr o risco de se decepcionar.
Tentar é correr o risco de fracassar.
Mas os riscos devem ser corridos, porque o maior perigo é não arriscar nada.
Há pessoas que não correm nenhum risco, não fazem nada, não têm nada e não são nada.
Elas podem até evitar sofrimentos e desilusões, mas elas não conseguem nada, não sentem nada, não mudam, não crescem, não amam, não vivem.
Acorrentadas por suas atitudes, elas viram escravas, privam-se de sua liberdade.
Somente a pessoa que corre riscos é livre!"

Seneca (orador romano)

quarta-feira, 19 de agosto de 2009


"Poeta, não é somente o que escreve.
É aquele que sente a poesia,
se extasia sensível ao achado de uma rima
à autenticidade de um verso."

Cora Coralina

Se não falas, vou encher o meu coração
Com o teu silêncio, e agüentá-lo.
Ficarei quieto, esperando, como a noite
Em sua vigília estrelada,
Com a cabeça pacientemente inclinada.

A manhã certamente virá,
A escuridão se dissipará, e a tua voz
Se derramará em torrentes douradas por todo o céu.

Então as tuas palavras voarão
Em canções de cada ninho dos meus pássaros,
E as tuas melodias brotarão
Em flores por todos os recantos da minha floresta.

Rabindranath Tagore

Poemas...


Eu preciso

Eu preciso de
Uma suave mão para minha mão,
Um braço abraço para meu corpo,
Um rosto para meu sonho,
Uma terna alma para meu coração tristonho,
Um homem para meu desejo,
Mas, dentro de mim, há não.

Meu coração pulsa,
Treme.
No meu peito, treme meu coração tristonho
Ou o triste fim do sonho,
De saudades
Da criatura que se foi,
Fechando a porta sem dizer
"até já, amor, um beijo,
eu volto logo".

Eliana Bittencourt Dumêt - Amar Pode Dar Certo

O mais-que-perfeito

Ah, quem me dera ir-me
Contigo agora
Para um horizonte firme
(Comum, embora...)
Ah, quem me dera ir-me!

Ah, quem me dera amar-te
Sem mais ciúmes
De alguém em algum lugar
Que não presumes...
Ah, quem me dera amar-te!

Ah, quem me dera ver-te
Sempre a meu lado
Sem precisar dizer-te
Jamais: cuidado...
Ah, quem me dera ver-te!

Ah, quem me dera ter-te
Como um lugar
Plantado num chão verde
Para eu morar-te
Morar-te até morrer-te...

Vinícius de Morais - Para Viver um Grande Amor

Vamos meu anjo, fugindo,
A todos sempre sorrindo,
Bem longe nos ocultar,
Como boêmios errantes
Alegres e delirantes
Por toda parte a vagar

Castro Alves - Sonhos de Boêmia

O amor faz monossílabos; não gasta
o tempo com análises compridas;
nem é próprio de boca amante e casta
um chuveiro de frases estendidas;
um volver de olhos lânguidos nos basta
a conhecer as chamas comprimidas;
coração que discorre e faz estio
tem as chaves por dentro e está tranqüilo.

Machado de Assis - Pálida Elvira

domingo, 16 de agosto de 2009

Será mesmo que você é substituível?

Na sala de reunião de uma multinacional o diretor nervoso fala com sua equipe de gestores. Agita as mãos, mostra gráficos e, olhando nos olhos de cada um ameaça: "ninguém é insubstituível".
A frase parece ecoar nas paredes da sala de reunião em meio ao silêncio. Os gestores se entreolham, alguns abaixam a cabeça. Ninguém ousa falar nada. De repente um braço se levanta e o diretor se prepara para triturar o atrevido:
- Alguma pergunta?
- Tenho sim. E o Beethoven?
- Como? - encara o gestor confuso.
- O senhor disse que ninguém é insubstituível e quem substituiu o Beethoven?
Silêncio.
Ouvi essa estória esses dias contada por um profissional que conheço e achei muito pertinente falar sobre isso.
Afinal as empresas falam em descobrir talentos, reter talentos mas, no fundo, continuam achando que os profissionais são peças dentro da organização e que, quando sai um, é só encontrar outro para por no lugar.
Quem substitui Beethoven? Tom Jobim? Ayrton Senna? Ghandi? Frank Sinatra? Garrincha? Santos Dumont? Monteiro Lobato? Elvis Presley? Os Beatles?
Jorge Amado? Pelé? Paul Newman? Albert Einstein? Picasso? Zico?
Todos esses talentos marcaram a História fazendo o que gostam e o que sabem fazer bem, ou seja, fizeram seu talento brilhar. E, portanto, são sim insubstituíveis.
Cada ser humano tem sua contribuição a dar e seu talento direcionado para alguma coisa. Está na hora dos líderes das organizações reverem seus conceitos e começarem a pensar em como desenvolver o talento da sua equipe focando no brilho de seus pontos fortes e não utilizando energia em reparar 'seus gaps'.
Ninguém lembra e nem quer saber se Beethoven era surdo, se Picasso era instável, Caymmi preguiçoso, Kennedy egocêntrico, Elvis obsessivo... O que queremos é sentir o prazer produzido pelas sinfonias, obras de arte, discursos memoráveis e melodias inesquecíveis, resultado de seus talentos.
Cabe aos líderes de sua organização mudar o olhar sobre a equipe e voltar seus esforços em descobrir os pontos fortes de cada membro. Fazer brilhar o talento de cada um em prol do sucesso de seu projeto.
Se seu gerente/coordenador ainda está focado em 'melhorar as fraquezas de sua equipe, corre o risco de ser aquele tipo de líder que barraria Garrincha por ter as pernas tortas, Albert Einstein por ter notas baixas na escola, Beethoven por ser surdo e Gisele Bündchen por ter nariz grande. E na gestão dele o mundo teria perdido todos esses talentos.
Quando o Zacarias dos Trapalhões faleceu, ao iniciar o programa seguinte, o Dedé entrou em cena e falou mais ou menos assim:
"Estamos todos muito tristes com a partida de nosso irmão Zacarias. E hoje, para substituí-lo, chamamos:... Ninguém... pois nosso Zaca é insubstituível. .."
Portanto nunca esqueça: você é um talento único... Com toda certeza ninguém te substituirá.

Débora F. G. da Fonseca
Administradora de Empresas
Especialista em Finanças e Gestão Corporativa

A Palavra Mágica


Certa palavra dorme na sombra
de um livro raro.
Como desencantá-la?
É a senha da vida
a senha do mundo.
Vou procurá-la.

Vou procurá-la a vida inteira
no mundo todo.
Se tarda o encontro, se não a encontro,
não desanimo,
procuro sempre.

Procuro sempre, e minha procura
ficará sendo
minha palavra.


Carlos Drummond de Andrade, in 'Discurso da Primavera'

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

A Salvo de Si Mesmo


A história começa assim: Em 2007 recebi um telefonema no meio da tarde, por volta das 16hrs, aproximadamente. O tempo estava nublado, me lembro bem, e parecia eminente a chegada de um temporal daqueles. A cada 20 segundos escutava-se o estampido dos trovões, logo após o cintilante relampear dos raios. Um terrível espetáculo!

Não dava para escutar quase nada no celular. A ligação estava ruim. Mesmo assim uma voz de mulher, em tom desesperado pedia pelo amor de Deus para ser atendida, ainda naquela tarde.

Eu dizia a ela no telefone: “Não vem para cá agora não, pois o céu vai desabar...” eu queria ir para casa e também protegê-la da situação de risco: chuva, raios, possíveis inundações; mas ela insistiu muito e, então, aceitei receber a jovem que chegou duas horas e meia mais tarde.

Perguntei: “Em que posso ajudá-la? O que houve de tão urgente? Que situação te trouxe até aqui?”

Ela respondeu mais ou menos assim (que eu me recordo): “Estou inundada em dívidas; terminei um relacionamento de seis anos com meu namorado que tanto amo; briguei com meu pai, meu maior amigo; quebrei algumas coisas em casa, meu lugar de conforto; não sei mais o que faço, pois tenho destruído tudo o que sempre amei e sonhei para mim... Eu quis fazer o meu melhor e acabei estragando tudo”.

Enquanto ela falava me veio à mente uma frase de Freud: “Nós poderíamos ser muito melhores se não quiséssemos ser tão bons”. Mas ainda não era hora para dizer isto... Permaneci em escuta.

Ela tremia e, como medida emergencial, ofereci um copo com água. Fizemos um exercício de respiração (7.3.7) por alguns segundos. Depois reclinei a moça no sofá, pedi a ela que tirasse sua sandália. Com voz suave, tentei estabilizar sua ansiedade e nervosismo. Passado uns 20 minutos, aproximadamente, lá estava ela, com seu primeiro sorriso. Chegou uma fera e recobrou sua condição de bela. Se sentindo mais calma e em condições de conversar sobre o que houve, continuei a escuta compassiva por mais uma hora e depois por mais três sessões até que ela mesma se deu alta e nunca mais voltou ao meu escritório.

Adivinha quem eu encontrei dois anos depois, tomando um sorvete no shopping? Exatamente! Ela mesma! Cumprimentou-me sorrindo, toda sem graça, parecendo querer dar uma satisfação do que houve e acabou dizendo que havia viajado para esfriar a cabeça, conheceu outro rapaz, brigou de novo, saiu da igreja, bateu o carro. Pegou um empréstimo para quitar as dívidas antigas e agora deve ao banco e ao comércio, tudo de novo, em dobro.

Ela estava acabada, desfalecida e pálida. Envelheceu cinco anos em apenas dois. Trazia no rosto uma olheira de fazer inveja a qualquer urso panda. Sussurrou que só dorme sob efeito de remédio. Depois de mais quinze minutos de uma melancólica verborragia desconexa, me despedi dela com uma espécie de confrontação.

Não havia tempo para eu pontuar e interpretar suas demandas, isto eu iria fazer no tempo e local adequado. Foi então que, confrontando-a, eu disse: “Fulana, eu estava preocupado em mantê-la à salvo da chuva, dos raios, dos credores, de seus algozes reais e imaginários, até que você tivesse condições de fazer isto por si mesma. Mas, na verdade, você precisa de algo ou alguém que ajude você a mantê-la à salvo de si mesma.

Perguntei: “De onde surgiu tanto descaso consigo mesma? Quando começou a se odiar tanto para fazer exatamente o contrário de tudo que sonhou e almejou para si? Porque judia tanto de ti?”. Ela apenas maneou a cabeça e balançou os ombros como quem diz em reflexivo silêncio: Sei lá!

Seguimos cada um o seu itinerário e espero que ela busque as respostas das perguntas que deixei no ar. Espero que ela consiga fechar a gestalt que abri propositadamente, pois somente quando ela encontrar aquelas respostas poderá dissipar as idéias inconscientes que a faz agir irresponsavelmente contra si mesma.

Não é fácil para qualquer pessoa controlar as demandas de seus ancestrais que, geneticamente, estão dentro de cada um. O sangue beduíno pede comportamento nômade. O sangue português e espanhol pede comportamento de desbravador. Os apelos genéticos, a influência do ambiente, as demandas inconscientes ao longo do desenvolvimento são fontes naturais e inesgotáveis de conflitos internos. Conflitos estes que podem se transformar em neuroses, quando não elaborados no tempo certo.

Toda pessoa precisa de um ego bem estruturado, razoavelmente maduro e consciente para poder mediar com destreza os conflitos advindos das clássicas neuroses: Ex.: Quem a pessoa é e quem ela gostaria de ser. O que a pessoa tem e o que ela gostaria de ter. Para você isto pode não representar nada, mas há pessoas que sucumbem quando entram em um ciclo de indagações aparentemente sem respostas, sem soluções imediatas.

Em verdade, não somos apenas o que pensamos ser, mas o que lembramos e o que esquecemos que somos. Somos os nossos enganos, os nossos erros e acertos. Somos as nossas palavras. Somos o pior e o melhor que pensamos ser. Somos tudo isto e somos também as ações que fazemos sem querer fazer.

Por estas e outras razões que a terapia se faz pertinente também no processo de autoproteção do indivíduo; onde o terapeuta faz o papel de ego auxiliar e assim desvela a sorrateira criança (id) que há dentro de cada um; ameniza o exagero no rigor da figura de autoridade interiorizada (Superego) e propicia espaço de crescimento, referências mais consistentes e, consequentemente, amadurecimento do ego, que em breve, muito em breve estará apto e em condições de manter a pessoa a salvo de si mesma. Naquele dia ela ainda não estava!

Quem nunca fez terapia, experimente! Quem já fez e abandonou, volte! Quem está fazendo, continue firme e mantenha-se a salvo de si mesmo até que receba alta!

Prof. Chafic Jbeili
Psicanalista e Psicopedagogo

Texto recebido por e-mail da amiga Celia Cardoso