Não estamos falando de idiomas nem de MBAs: para ser bem-sucedido num mundo de mudanças rápidas e valores sociais em alta, o profissional do futuro terá que mostrar habilidades e comportamentos que não se aprendem na escola. E você é parte vital dessa preparação
Suzana Lakatos e Fábio Mello
Os pais começam a se preocupar com o futuro dos filhos cada vez mais cedo. A antiga segurança de que o diploma universitário garantiria um bom emprego já não existe. E uma pesquisa do IBGE de 2006 mostrou que 53% dos brasileiros trabalham em profissões diferentes daquelas para as quais se formaram. "Da noite para o dia, surgem novas ocupações, enquanto outras ficam obsoletas", diz a consultora Rijane de Mont'Alverne, presidente do conselho deliberativo da ABRH Nacional - Associação Brasileira de Recursos Humanos. Nesse cenário, a boa formação acadêmica é apenas o bilhete de ingresso para uma dança das cadeiras, em que a conquista de um lugar exige competências que não se aprendem na escola. "Hoje se considera que apenas 15% do sucesso profissional deva-se à formação acadêmica", afirma a psicóloga Mary Nicoliello, que orienta executivos e adolescentes em busca de preparação profissional. "Os 85% restantes estão ligados a questões comportamentais, como a habilidade de lidar com o inesperado, a autonomia e a capacidade de interagir com culturas e pessoas diferentes.
"Por que de repente essas características se tornaram tão importantes? Em parte, a explicação está no boom de tecnologias a partir dos anos 80. "Atualmente, você interliga experiências, cria redes de interesses sem restrições geográficas e qualquer um aprende com facilidade inúmeras atividades", analisa o psicoterapeuta Leo Fraiman, da Teenager Assessoria Profissional, em São Paulo. Com isso, as competências comportamentais tornaram-se um valor de mercado. "Os grandes diferenciais hoje, atitude e caráter, são desenvolvidos desde a primeira infância. A escola pode até ajudar, mas a família é determinante", garante o headhunter Luiz Carlos Cabrera, professor de gestão de pessoas da Fundação Getulio Vargas, em São Paulo. Já se sabe que crianças cujos pais participam da vida escolar têm melhor rendimento, disciplina e habilidades sociais. Mas é possível ir além. "O segredo é estar próximo do garoto ou da garota e avaliar aspectos como iniciativa, coragem, dinamismo, empatia, criatividade, capacidade de lidar com adversidades e facilidade de relacionamento. O segundo passo é investir em atividades esportivas e artísticas que ponham à prova os pontos fracos de cada um. A natação, por exemplo, exige disciplina, enquanto a música desenvolve o raciocínio lógico e a criatividade", aconselha Cabrera. No dia-a-dia, com pequenas atitudes, você pode contribuir para o desenvolvimento das dez competências e habilidades que vão fazer do seu filho um profissional bem-sucedido e antenado com o futuro. Veja quais são elas e que parte cabe a você.
1 Flexibilidade
Os avanços em todas as áreas acontecem cada vez mais rápido. É fundamental cultivar múltiplos interesses, manter-se atualizado e estar disposto a abrir mão de antigas convicções em favor das novas descobertas. Também não dá para saber o que será essencial no futuro. Por isso é tão importante cultivar a desenvoltura para transitar por diferentes ocupações.
O QUE AJUDA "O hábito da leitura é básico em um mundo que exige formação continuada", aconselha Leo Fraiman. Os livros ensinam a pensar, imaginar, criar, analisar o mundo e as pessoas." Por isso, vale a pena estimular seu filho a ler, mas também é ótimo compartilhar os livros e conversar interessadamente sobre o que ele está lendo.
2 Convivência
Conviver e lidar com pessoas de outras culturas, ritmos, estilos, valores e crenças é indispensável no mundo atual, de acordo com Leo Fraiman. Hoje, a maioria das empresas de sucesso procura recrutar perfis diferentes para reproduzir internamente a realidade do mercado. Como as organizações estão cada vez mais enxutas, características como bom humor, respeito e educação facilitam o convívio.
O QUE AJUDA Estabeleça limites claros e exija que seu filho os cumpra. Mostre a importância de respeitar regras, como horários e uso do uniforme escolar. Ensine-o a perceber os códigos sociais de cada situação - como adotar postura e roupa adequada ao ambiente - e a desenvolver empatia pelas necessidades e valores das outras pessoas.
3 Iniciativa
É um trunfo surpreender o cliente ou o empregador com soluções que ultrapassem as expectativas. Em um mundo dinâmico e em constante transformação, ficar preso a antigas fórmulas pode ser um tiro no pé para o desenvolvimento de uma carreira de sucesso.
O QUE AJUDA Proporcione programas variados - nas artes, na música, no esporte - para que seu filho adquira interesses diversificados e se sinta especialmente motivado a buscar atividades em áreas múltiplas. Além disso, segundo Fraiman, ele precisa ser treinado para "se virar": tornar-se independente e buscar soluções para os problemas. Os pais podem oferecer apoio, mas devem resistir à tentação de resolver tudo no lugar dele.
4 Ética
As próximas gerações precisarão adotar posturas íntegras em relação a trabalho, colegas, fornecedores, clientes e parceiros. As empresas estão cada vez mais aprendendo que o "jeitinho" pode comprometer sua imagem e levar à perda de negócios. A sustentabilidade é outro lema atual do mundo corporativo e implica ser ambientalmente correto, socialmente justo e economicamente viável. "Na rotina profissional, isso se traduz em atitudes como não querer tirar vantagem do outro, remunerar adequadamente funcionários e prestadores de serviços, pagar impostos e reciclar materiais", ensina Tania Casado, professora de gestão de pessoas da Faculdade de Economia e Administração da USP.
O QUE AJUDA Valores claros dentro de casa contribuem para consolidar atitudes éticas. "Pais que não respeitam semáforo, jogam lixo pela janela do carro e desperdiçam água e energia não podem esperar que o filho tenha condutas corretas", alerta Tania. "Os exemplos começam em casa." Outra boa medida é discutir em família fatos cotidianos que coloquem aspectos éticos em xeque, como os recentes casos de corrupção.
5 Criatividade
Está ligada à capacidade de mudança e inovação, à imaginação, à sensibilidade e ao senso estético. No dia-a-dia de uma empresa, significa aceitar que existem diferentes saídas para um mesmo problema.
O QUE AJUDA Varie os caminhos entre casa e escola, busque programas diferentes para realizar em família e proponha desafios, como o de preparar a própria comida em vez de descongelar uma pizza. Idas ao cinema, teatro, exposições e espetáculos devem ser incentivadas, pois essas atividades alimentam a imaginação.
6 Escolha
Curso de inglês ou de música? Intercâmbio cultural agora ou uma poupança para fazer MBA no exterior mais tarde? "Boas escolhas exigem boa visão de conjunto, análise de prós e contras, percepção de diferentes perspectivas e pensamento em curto, médio e longo prazo." É assim que Fraiman define essa capacidade, que con sidera essencial em todos os momentos da vida - seja para se posicionar diante dos pequenos dilemas do cotidiano, seja para tomar decisões em uma mesa de negociação.
O QUE AJUDA Convide seu filho a participar de decisões em família e a avaliar com você os aspectos bons e desfavoráveis de cada alternativa. Da escolha do restaurante no domingo à roupa adequada a um evento, estimule- o a selecionar o que acha mais razoável e explique que nem sempre se pode ter ou fazer o que se deseja.
7 Auto-estima
"A convicção de ter um papel ativo no mundo e a confiança na própria capacidade caracterizam a auto-estima, que fornece a coragem necessária para levar adiante qualquer projeto", define Fraiman. Mas ela não deve ser confundida com o ego inflado de quem se acha capaz de tudo", explica. Segundo ele, as pessoas mais felizes não são as que se dedicam mais ao lazer, mas as que estabelecem um maior número de atitudes construtivas com o mundo. Isso faz com que se sintam úteis e importantes.
O QUE AJUDA Incentive seu filho a participar socialmente e a ter posturas positivas diante da vida. Se ele é do tipo que vive fazendo projetos grandiosos, ajude-o a planejar metas parciais e objetivas, mais possíveis de alcançar, para que siga acreditando na própria capacidade de realizar sonhos. Na hora de fazer uma crítica, procure condenar o comportamento e não a pessoa.
8 Maturidade
Essa qualidade envolve responsabilidade, disciplina e integridade. "Muito do caos que se vê no país de hoje, como a recente crise no setor aéreo, é um reflexo da falta de maturidade e de comprometimento com os resultados por parte de dirigentes de todas as esferas administrativas do país", afirma Fraiman.
O QUE AJUDA Encarregue seu filho de ajudar nas tarefas domésticas e cobre-o por elas. Diante de pedidos fúteis, procure deixar clara a diferença entre "querer" e "precisar". Exigir que peça desculpas quando pisar na bola pode soar artificial, mas é importante para que ele tome consciência das possíveis conseqüências dos seus atos.
9 Controle
Em tempos de competição acirrada, quem respeita os próprios limites e aprende a relaxar na hora certa tem maior serenidade para fazer boas escolhas, focar metas, eleger prioridades e lidar com fatos novos.
O QUE AJUDA Não sobrecarregue seu filho com o excesso de tarefas. Estabeleça uma rotina que o ajude a conciliar responsabilidade e lazer, como fazer a lição primeiro e sair com os amigos depois. Incentive-o a montar uma agenda selecionando os compromissos da semana e mostre que uma boa organização evita desgastes desnecessários.
10 Comunicação
Significa dizer o que pensa, mas na hora certa, para a pessoa certa e do jeito certo. Essa qualidade envolve a capacidade de expressar idéias e pensamentos, sempre de maneira clara, fluente e organizada.
O QUE AJUDA Observe a maneira como seu filho se expressa. Analise se ele usa muitas gírias e se consegue estabelecer uma linha de raciocínio lógica. Estimule a discussão sobre temas polêmicos e, principalmente, converse muito a respeito dos mais variados assuntos.
Pilares do sucesso
"O desafio é educar o jovem para o trabalho, e não para o emprego." Quem faz o alerta é Luiz Carlos Cabrera, professor de gestão de pessoas da FGV-SP. Segundo ele, no futuro não haverá emprego para todos, mas não faltará trabalho para quem tiver espírito empreendedor. "Os pais podem ensinar o filho a administrar a própria vida, por exemplo distribuindo a renda dele, mesmo que ela seja uma pequena mesada, em 'fundos', aos quais poderá recorrer mais tarde", orienta Cabrera. "Eles devem pensar no filho como alguém que um dia buscará um lugar no mercado", acredita Tania Casado, professora de gestão de pessoas da FEA-USP. Ela destaca os três pilares do sucesso:KNOW-HOW É o que se aprende na escola, como os idiomas. Sempre foi um aspecto muito valorizado.
KNOW-WHY Implica motivar o filho a se conhecer e descobrir os próprios desejos e talentos naturais.
KNOW-WHO É a rede de relacionamentos, ou network. Essas relações devem ser fortalecidas com comportamentos éticos e responsáveis. Isso porque, no futuro, seus membros poderão indicar o jovem a uma vaga, facilitar um contato ou plano de carreira.
Fonte http://claudia.abril.com.br/materias/2519/
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